A alimentação no Yoga é um tema muito discutido e a primeira coisa que vem à nossa mente quando pensamos no assunto é o vegetarianismo.
Os motivos da adoção de uma dieta sem carne pelos yogis passam pela manutenção do dharma universal e pessoal e encontram suas principais razões no primeiro dos Yamas (código de conduta do Yoga): ahimsa, a não-violência.
A não-violência dentro dos Yamas refere-se a todos os níveis – pessoais e sociais – e aparece em primeiro lugar entre os 8 angas do Yoga, mencionados por Patanjali, pois deve ser o ponto de partida para todo praticante de Yoga que busca sua evolução espiritual. Para um esclarecimento mais profundo sobre esses conceitos, recomento a leitura deste excelente e completo artigo do professor Pedro Kupfer, no qual ele esmiúça a fundo esses preceitos.
No entanto, o motivo deste texto não é falar exclusivamente sobre vegetarianismo e sim sugerir a discussão a respeito do modo como nos relacionamos com nosso alimento hoje em dia e a consciência (ou a falta dela) da origem e preparo de nossa comida.
Em 2017 o Netflix lançou a esperada série “Cooked”, baseada no livro “Cozinhar – Uma História Natural da Transformação” do jornalista e escritor norte americano Michael Pollan.
A série de 4 episódios explora a relação dos elementos naturais – Fogo, Água, Ar e Terra – com as técnicas e práticas antigas de cozinha, passando por temas como evolução do ser humano e antropologia. Pollan defende que o ato de cozinhar é muito importante para o bem-estar, nos aproxima de nossas origens, famílias e de nossa própria essência, além de nos afastar dos alimentos industrializados, o que nos torna seres humanos mais conscientes e presentes, contribuindo para uma vida mais saudável.
Nesses tempos de fast food, alimentos super processados, congelados e refeições feitas em poucos minutos, estamos cada vez mais perdendo o hábito de cozinhar com calma, selecionando e preparando os alimentos com consciência, além de estarmos deixando o costume de nos sentarmos à mesa com a família, talvez o ato de amor e união mais célebre de todas as culturas.
Uma refeição compartilhada com entes queridos é uma linda oportunidade de exercer nossas melhores qualidades como a compreensão e a gratidão.
Apesar de Michael Pollan não ser vegetariano, a maneira como ele trata o ato de cozinhar e se alimentar pode trazer mais luz à nossa prática de yoga, pois o ato de comer para um yogi deve ser uma celebração à vida, não somente no sentido da não-violência mas também uma celebração à maneira como nos relacionamos com todo o processo produtivo daquilo que ingerimos, desde a plantação, colheita, transporte, venda, modo como preparamos o alimento e nossa consciência ao realizarmos nossas refeições.
Todas essas etapas merecem nossa atenção e gratidão. Lembro que durante meu curso de formação de Yoga, o Swami que nos dava aulas contou que uma de suas maiores dificuldades para avançar na prática de Yoga foi começar a se alimentar bem, pois nunca teve o hábito de cozinhar. Apesar de se dedicar aos trabalhos no centro e às meditações, sua saúde não era das melhores e sempre estava cansado e sem energia.
Ele nos contou que parou de comer carne com certa facilidade, porém só comia pão com queijo e levou um bom tempo até decidir encarar a cozinha. Mas um de seus professores sempre dizia: “Um yogi deve saber cozinhar seu próprio alimento”. Achei essa frase simples e definitiva.
Sempre que paro para comer – tenha eu preparado ou não meu alimento – faço um breve agradecimento que acredito ser uma ótima maneira de finalizar este texto: “Muitas benções a todos que fizeram com que este alimento chegasse até aqui e que ele seja o sustento de minha prática espiritual”.
ॐ Mantra para consagrar o alimento: brahmārpaṇaṁ brahma haviḥ brahmāgnau brahmaṇāhutam I brahmaiva tena gantavyaṁ brahmakarma samādhinā IŚrī gurubhyo namaḥ II hariḥ Oṁ II Bh.G., IV24II
Para [o homem que se libertou de seus condicionamentos], o ato de fazer a oferenda é Brahman, a oblação é Brahman. Por Brahman é oferecido no fogo que é Brahman. Brahman é o objetivo a ser alcançado por aquele que percebe Brahman em suas ações. Saudações aos Mestres.
Bhagavād Gītā, IV:24.